Foi num “convívio”, nome que então se dava a eventos culturais organizados pelas associações de estudantes, no final de 1968, no palacete da Junqueira, onde então funcionava o ISCSPU, que me cruzei pela primeira vez com José Carlos de Vasconcelos. O Zé Carlos (como nos dias de hoje o trato) tinha ido com o Tóssan (quem se lembra dele?) ler poesia aos estudantes que nós éramos. Tratava-se, com certeza, dos belos panfletos rimados que o neo-realismo então proporcionava, para animar as hostes e, subliminarmente, ir acendendo o rastilho que, seis anos depois, nos traria a liberdade. Caramba, já passou quase meio século!
José Carlos de Vasconcelos era já então um jornalista prestigiado, que iria fazer o seu curriculum no “Diário de Lisboa”, no “Diário de Notícias”, em “O Jornal” e, depois, na “Visão”. Antes, fora dirigente universitário em Coimbra, onde se licenciou em Direito, formação que lhe permitiu manter, simultaneamente, uma carreira de advocacia, durante a qual, nomeadamente, defendeu presos políticos da ditadura. Nos anos 80, fez uma incursão pela política ativa, sendo deputado pelo PRD.
O Zé Carlos e eu fomo-nos vendo e conhecendo melhor ao longo da vida, mantendo um contacto esporádico mas sempre muito cordial, construindo mesmo uma amizade que hoje também nos leva a trabalhar em conjunto numa instância da Fundação Calouste Gulbenkian. Às vezes, tenho conseguido corresponder aos seus cíclicos pedidos para colaborar no seu “JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias”, mas, aqui entre nós, a minha vida nem sempre me tem permitido estar à altura desses seus generosos convites. Vou tentar mais e melhor, no futuro, prometo.
Há uma década precisa, num colóquio na Casa Fernando Pessoa, em que ambos participávamos a convite de Inês Pedrosa, fiz notar que estavam três embaixadores no nosso painel. A sala ficou perplexa, porque só contava o embaixador Lauro Moreira, representante do Brasil na CPLP, e eu próprio. Expliquei que o terceiro embaixador presente se chamava José Carlos de Vasconcelos, “embaixador da língua portuguesa”, alguém que, com persistência e uma dedicação sem paralelo, mantinha o JL como um magnífico elo de ligação entre todas as culturas que se expressam em Português. Disse-o, não como uma flor de retórica ou para ser simpático para com o Zé Carlos, mas porque, muito sinceramente, mantenho por ele e pela atividade que desenvolve uma imensa admiração e respeito.
O Zé Carlos tem hoje todo o reconhecimento que poderia desejar ter, de Portugal ao Brasil, passando pelos países africanos de língua portuguesa, por Timor e Macau. Escrevi “poderia”, porque a sua modéstia condu-lo a não procurar as ribaltas que a qualidade da sua ação plenamente justificaria. O seu jornal, ao longo das dezenas de anos de vida (difícil) que leva, é hoje um arquivo ímpar dessas culturas e de quantos cuidam em cultivá-las e ligá-las. Quem dera que fosse possível mantê-lo assim no futuro.
Esta nota, neste momento, tem uma justificação de oportunidade. É que o José Carlos de Vasconcelos acaba, muito justamente, de receber uma nova distinção, desta vez o Prémio cultural Vasco Graça Moura, sucedendo ao primeiro galardoado, Eduardo Lourenço. Imagino que ele o receba com aquele seu sorriso jovial, aquela forma simples de se apresentar ao serviço na vida, simultaneamente atenta e viva, numa espécie de juventude eterna que visivelmente lhe dá o ânimo para continuar a sua bela tarefa de cidadania cultural.
Um forte abraço, Zé Carlos!