sexta-feira, dezembro 29, 2017

Mandatários da República


Um professor que tive no liceu defendia que “uma das grandes medidas do Estado Novo foi pôr cobro ao cancro que eram os partidos da República”. A diabolização dos partidos políticos fazia parte essencial da ideologia do fascismo de paróquia que tomou conta deste país, a partir de 1926. Mesmo o salazarismo envergonhado que foi o marcelismo revelou-se incapaz de aceitar que quem pensasse de forma diferente podia organizar-se e obter mandatos populares para pôr em prática as suas ideias. 

Nunca estranhei assim que os constituintes de 1976 oferecessem aos partidos o quase monopólio da representação política. Por seu intermédio, tentava-se retomar o exercício da democracia interrompido pelo 28 de maio. E quem, senão os partidos clandestinos, havia sustentado, no essencial, a bandeira da liberdade durante a ditadura? 

O regime que hoje temos parece apenas tolerar, com sobranceira benevolência, qualquer expressão política que se afirme fora dos partidos, procurando quase sempre limitá-la. Com isso pretende evitar o caciquismo, que marcou os anteriores modelos constitucionais, pelo que não estimula plataformas de afirmação de personalidades ou de grupos de interesses com poder de influência. A própria leitura do semi-presidencialismo que prevaleceu na revisão constitucional de 1982, afetando os poderes do presidente da República pactuados em 1976, representou uma deliberada menorização daquilo que pudesse não derivar da pura expressão partidária do poder, com legitimidade concorrencial.

Quero com isto dizer que devemos aceitar que os partidos são os “donos” da nossa democracia? Os partidos não esgotam a democracia, mas não há democracia onde não houver partidos - autónomos, livres e contrastantes. Eles são os mandatários essenciais da vontade cívica, do modo como organizamos o Estado para levar à prática políticas públicas maioritariamente sufragadas. Mas não deixa de ser lamentável que os partidos reajam de forma corporativa e conservadora a tudo quanto possa afetar o oligopólio de que dispõem. 

Porque lhes é conferido um poder constitucional único, os partidos têm o dever da absoluta transparência e devem garantir a democraticidade no seu funcionamento interno e no modo como atuam no sistema de representação política. Fraudes como hoje são o MRPP, onde dirigentes não eleitos se locupletam com fundos públicos, ou os Verdes, uma sucursal política do PCP, representam manchas tristes no nosso sistema partidário.

Um escândalo rebentou agora a propósito da fiscalidade dos partidos. Com todas as suas inegáveis disfunções, a nossa democracia sai-nos cara? Sustentar os partidos tem um custo elevado? Talvez tenha, mas a liberdade não tem preço e os partidos são apenas o outro nome da democracia.

(Nota final: este foi o ano da morte de Mário Soares)

9 comentários:

Anónimo disse...

"O regime que hoje temos parece apenas tolerar, com sobranceira benevolência, qualquer expressão política que se afirme fora dos partidos, procurando quase sempre limitá-la. "

Totalmente de acordo. E quanto ao caciquismo, os partidos vivem dele,e os caciques vivem também do apoio que os partidos lhes dão.

Anónimo disse...

Para um não-politizado como eu, esta questão da subvençao do Estado aos partidos fez-me muita confusão.
Já aqui várias vezes tinha perguntado de que viviam os partidos e ninguém me tinha dito que sendo eu não-politizado era um dos que financiava as suas existências pelos impostos. Sempre pensei que os partidos viviam autonomos pelas quotizaçõs dos seus afiliados o que me parece mais normal. Sei que alguns partidos houve, que nos idos de Abril tiveram de aceitar subvenções de partidos congéneres europeus. O que não me fez confusão nehuma.
Uma democracia é muito mais do que a existência dos partidos na Assembleia da República. É sim a vontade de uma população de viver nesse regime. O endeusamento dos partidos nos paíse do sul da Europa é que deu nisto.
Ando a ler sobre a dificuladade do ser humano em mudar autonomamente de uma vida descontente para uma vida melhor. É de facto um caso muito sério mas tem de se fazer qualquer coisa para se conseguir isso.
Vide "Philosophie Magazine" Nº15 décembre 2017-janvier 2018.
E por hoje mais não digo.

Anónimo disse...

Francisco Francisco Francisco

Voce tanto fala em muita democracia e muitos partidos como em limitacoes de possibilidades para assumir o poder a certas pessoas e grupos como por exemplo neste caso :
"Seria Trump plausível, como escolha presidencial, se acaso fossem outros os equilíbrios prevalecentes à escala interna americana e no plano global?"

O seu conceito de democracia é apenas uma especie de foclore para entreter e confundir o rebanho e legitimar a ascencao ao poder dos escolhidos da elite divida?

"absoluta transparência" e "onde dirigentes não eleitos" mas so se lembrou do MRPP e do PCP (esse por onde nadou em tempos o Furao Burroso)


Vou recorda-lo da lei da rolha no psd partido onde os dirigentes nao sao escolhidos por voto directo

Ou dos sacos azuis.

Ou do Jacinto Leite Capelo Rego do CDS.

Ou ainda dos partidos endividados ate as orelhas em bancos como o bes.

Ou os financiamentos manhosos que vinham da JAE junta autonoma de estradas.

Bom conceito o seu de democracia sim senhor.

Voce vive neste mundo ? Voce e uma pessoa normal ?

PS:. (Nota final: este foi o ano da morte de Mário Soares)
Sim ... nao resisti ao PS:. mas nao queria copiar a "Nota final:"
Isto foi algum tipo de mensagem secreta ? E que foi muito descabida do contexto do cartigo que escreveu

Anónimo disse...

Ao embaixador foge-lhe sempre o pé para os ataques ao PCP embora depois sugira noutros postais que os leitores devem achar estranho o seu convívio estreito com livros da direita, com clubes salazaristas e quejandos. Olhe que não acham, portanto. Nunca o vimos dizer bem de um livro/autor de esquerda que tivesse ido ler "para se confrontar com as suas ideias".

Curiosamente, nos rendimentos, o PCP (que era tacado pela lei de 2003) tem apenas 11 por cento vindos de subvenção pública - o resto deve vir da URSS. Os outros todos (dos dinheiros em mão, oferecidos por jacintos leites) recebem os rendimentos quase todos do OE e não dos empresários que tanto lhes elogiam sentido de estado e sensatez. O PS recebe 69 por cento do OE,o PSD 83 e o CDS 96. Os que mais se queixam são os mesmos que votam nesses partidos de pata estendida ao erário público.



Quanto à referência a Soares recomenda-se-lhe, todavia, que leia Quando Portugal Ardeu, de Miguel Carvalho. Precioso colocar de muitos pontos nos is. Lá se vê como tanto bombista do Verão Quente (aquecido pela direita e pelo PS) fez tangentes e secantes ao democrático partido do democrata Soares.

Anónimo disse...

O problema da democracia portuguesa são precisamte os partidos, ou quem neles filia.
Já o outro morrreu tarde!

Luís Lavoura disse...

Fraudes como hoje são o MRPP, onde dirigentes não eleitos se locupletam com fundos públicos

O MRPP não é uma fraude: é uma associação de pessoas que livremente decidem pertencer àquele partido e é um partido que obtem milhares de votos nas eleições.

Reaça disse...

Não fossem outros a frear, (Bruxelas/Berlim)veriamos onde ia parar a lusa democracia.

Nisso, Soares e outros, agiram na hora própria.

Ou seja, democracia com freio, não está mal, eu aprovo.

Reaça disse...

Uma democracia que virou um desatre descomunal, foi aquela que substituiu a ditadura militar brasileira, há 32 anos.

Mas não se pode voltar a traz.

Aquela "dita-dura" era tão dita-mole"!

álvaro silva disse...

Por aqui se vê que o seu professor do liceu nada percebia da história lusa!

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